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COMO FUNCIONA A FICÇÃO por James Wood

Atualizado: 20 de dez. de 2019




A chamada onisciência é quase impossível. Na mesma hora em que alguém conta uma história sobre um personagem, a narrativa parece querer se concentrar em volta daquele personagem, parece querer se fundir com ele, assumir seu modo de pensar e de falar. A onisciência de um romancista logo se torna algo como compartilhar segredos; isso se chama estilo indireto livre, expressão que possui diversos apelidos entre os romancistas − “terceira pessoa íntima” ou “entrar no personagem”.

Queridos bibliófilos e queridas bibliófilas! Bem vindas a mais um episódio de LER É VERBO, o nosso canal de livros e escrita. Hoje vamos falar de um livrinho EXCELENTE! COMO FUNCIONA A FICÇÃO por James Wood. Contudo, antes de começarmos, gostaria de dizer que este episódio também está em formato de podcast. Você pode achar o conteúdo ao procurar LER É VERBO no seu tocador preferido. Inclusive nosso Podcast entra em uma nova fase. Além do que vocês estão ouvindo aqui no YouTube, lá cada episódio tem muito mais conteúdo com comentários e leitura de trechos destacados. E gostaria de pedir pra você se inscrever no canal, pois assim você não perde nenhuma atualização.


O livro COMO FUNCIONA A FICÇÃO é excelente para todos aqueles que desejam se aprofundar no ofício da escrita. O autor dividiu o livros nos seguintes capítulos:


Narrando;

Flaubert e a narrativa moderna;

Flaubert e o surgimento do flâneur;

Detalhe;

Personagem;

Breve história da consciência;

Empatia e complexidade;

Linguagem;

Diálogo;

Verdade, convenção, realismo.


E é tão legal ver o trabalho de um crítico literário de verdade. Coisa rara, né? James Wood se formou em literatura em Cambridge e decidiu ser crítico literário uma profissão que requer muito conhecimento. Não é apenas uma crítica do tipo gostei e não gostei desse livro. É algo onde ele analisa as estruturas do texto.


"A casa da ficção tem muitas janelas, mas só duas ou três portas. Posso contar uma história na primeira ou na terceira pessoa, e talvez na segunda pessoa do singular e na primeira do plural, mesmo sendo raríssimos os exemplos de casos que deram certo. E é só. Qualquer outra coisa não vai parecer muito uma narração, e pode estar mais perto da poesia ou do poema em prosa."

E ele vai desenvolver esse pensamento para mostrar que os autores mais sensacionais usam o que ele chama de estilo indireto livre, onde o autor/narrador, em alguns momentos, se funde com a coisa narrada, como por exemplo ao usar palavras que somente a personagem usaria e não o autor. Coisa linda de se ver. No livro ele coloca vários exemplos.


E assim ele vai passando por todos os capítulos. Você sabe, por exemplo, o que é flâneur? É uma técnica de descrição onde os tempos da narrativas estão juntos, ou seja, não acontece uma coisa e depois outra na história, mas sim tudo acontece junto. Por exemplo: um personagem desce uma rua e repara em vários detalhes, uma pomba que voa, um garçom que limpa uma mesa, um cachorro que late, o cheiro da terra molhada, tudo de uma vez. E os detalhes? Como escolher detalhes para que sua história torne-se mais "real"? Um personagem está na espera de um consultório e percebe uma parede descascada. É um detalhe aleatório, mas foi escolhido especificamente pelo narrador. É realmente aleatório? Mas esse detalhe insignificante, por ser insignificante, trás mais realismo à cena, pois a vida é cheia de detalhes insignificante.


A literatura é diferente da vida porque a vida é cheia de detalhes, mas de maneira amorfa, e raramente ela nos conduz a eles, enquanto a literatura nos ensina a notar − a notar como minha mãe, por exemplo, costuma enxugar a boca antes de me beijar; Essa lição é dialética. A literatura nos ensina a notar melhor a vida; praticamos isso na vida, o que nos faz, por sua vez, ler melhor o detalhe na literatura, o que, por sua vez, nos faz ler melhor a vida. E assim por diante. Basta dar aulas de literatura para perceber que os leitores jovens, na maioria, não são bons observadores.

E quando ele entra na parte da personagem? Aí é um universo inteiro para se navegar. Sentimentos, empatia, complexidade, um personagem que odeia aquela pessoa justamente porque a ama. Como representar isso com gestos, ações e falas? Como empregar a linguagem? E o diálogo? E as metáforas? Haaa as metáforas... uma das ferramentas mais poderosas dos escritores. Vamos ler aqui um trecho onde o autor analisa as metáforas:


Mas os símiles e as metáforas, pelo menos as visuais, realmente pretendem, na maioria dos casos, navegar em águas perigosas, e dão aquela sensação de algo novo e recém-pintado diante de nossos olhos. Eis quatro descrições metafóricas do fogo, todas excelentes. Lawrence, observando o fogo numa lareira, menciona “Aquele buquê impetuoso de novas chamas na lareira” Hardy descreve “Uma mão cheia e escarlate de fogo”. Bellow usa esta frase “As chamas azuis ondularam no fogo de carvão como um cardume de peixes”. E Norman Rush mostra o herói chegando a uma aldeia deserta, onde vê que o “fogo da cozinha acenava” Assim: um buquê impetuoso, uma mão cheia de fogo escarlate , um cardume de peixes, um fogo acenando. Há alguma delas que seja melhor do que as outras? Cada uma funciona de maneira levemente diferente. A de Bellow e a de Lawrence são talvez as mais visuais − podemos ver com o olho do espírito as chamas brilhantes como flores e ondulantes como peixes (notem que Bellow escreve “um cardume de peixes”, e não “um cardume de peixe”, exatamente porque o plural soa mais numeroso, mais ondulante). Hardy talvez seja o mais prosaico, mas tem uma ousadia muito própria: conseguimos pensar numa mão cheia de pó, mas não numa mão cheia de fogo, pois mantemos, justamente, as mãos afastadas do fogo. A de Rush é maravilhosa. A chama de fato acena (isto é, meneia, se curva, se inclina, diminui, aumenta), mas quando é que iríamos pensar no verbo “acenar”? Como a mão cheia de Hardy, acenar é ousado precisamente por ser um verbo nada flamejante. Um cão acena com a cauda, e alguém concorda acenando a cabeça, mas a chama faz parte de um mundo diferente dessa intimidade acolhedora. A de Lawrence é a mais ousada em termos verbais porque, além de comparar as chamas a um buquê de flores (e realmente as chamas estão reunidas numa lareira, tal como um buquê reúne flores num vaso), há o acréscimo de “impetuoso” ao “buquê” − “um buquê impetuoso” −, que é mais uma metáfora dentro da metáfora maior, pois as chamas podem vir com ímpeto para nosso lado, mas os buquês não. Sob certo aspecto, é uma metáfora mista. Portanto, Lawrence é o único dos quatro a nos dar duas metáforas ao preço de uma. (E novas chamas, acompanhando a ideia de flores novas, frescas, talvez introduzam uma terceira metáfora.) Esses quatro exemplos nos mostram que muitas vezes o salto para o anti-intuitivo, para o exato contrário daquilo que estamos tentando comparar, é o segredo da metáfora vigorosa.

Bom... assim é o livro, em vários aspectos da literatura. Então se você deseja escrever melhor, com mais consciência e profundidade, ou simplesmente deseja ler melhor um texto ou o mundo, esse livro é pra você!


Pessoal, por hoje é só. Lembre-se de curtir o vídeo e se inscrever no canal! Se quiser ouvir mais partes destacadas e ter uma conversa mais franca comigo, vá até o PODCAST Ler é Verbo! Até a próxima, um abraço e boa sorte.


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